domingo, 22 de janeiro de 2012

A dikanza mágica de Adolfo Coelho

Jomo Fortunato | - 05 de Dezembro, 2011

Embora não tenha deixado uma abundante discografia, enquanto cantor e compositor, Adolfo Coelho notabilizou-se como um dos fundadores do conjunto os “Kiezos”, tendo-se evidenciado na execução da “dikanza”, e na interpretação de canções que marcaram momentos representativos da discografia da Música Popular Angolana.
Filho de José Rodrigues Coelho e de Teresa de Morais, Aristófanes da Rosa Coelho nasceu em Luanda no dia 14 de Outubro de 1945, e foi herdeiro e discípulo de Euclides Fontes Pereira, do Ngola Ritmos, na continuidade da execução da “dikanza”, instrumento de acompanhamento que marcou a sua personalidade artística até à data da sua morte.
Adolfo Coelho fez parte da primeira formação dos Kiezos, convidado por Domingos António Miguel da Silva (Kituxe), em 1963, numa altura em que assistia, com frequência, aos ensaios do conjunto. Na sequência, Adolfo Coelho solicita a colaboração de Anselmo de Sousa Arcanjo, Marito, figura carismática que marcou, de forma definitiva, a história dos “Kiezos”, como guitarrista solo.
Até então, Adolfo Coelho (dikanza e voz) e Fausto Lemos (tambor e voz) assumiam a condição de vocalistas principais, até à entrada de Vate Costa que, além das canções do grupo, interpretava músicas de Franco, o célebre guitarrista do Congo Democrático. 
 
Canções e composição

Muito pouco valorizadas, pelo menos na sua dimensão estética e histórica, as canções de Adolfo Coelho acabaram por constituir um traço distintivo da sua personalidade artística, enquanto compositor popular, e abordam, na sua generalidade, factos do quotidiano, e ocorrências directamente relacionadas com a sua vida pessoal, nunca contornando as referências reais, de forma transfigurada e metafórica. “Júlia”, uma das canções mais bem conseguidas de Adolfo Coelho, é a narração directa de um caso de amor, em que o compositor se entrega de corpo e alma a Júlia, uma jovem do Sumbe, mas cujos pais rejeitam, liminarmente, a concretização dessa relação, afastando-o da casa da jovem, sempre que o autor tenta aproximar-se dela: Júlia…/ kituxe kiami uakubangue emé / muxima uami olo ngui kata/ ndandu jé uá ngui kaie kubata/ lumbi… alukenu se mamã ufuá/ ndungui alukenu kexilenu ni lumbi/ Júlia…
“Maiombola”, um outro exemplo de vivência directa dos problemas, traduz a pobreza e a fome dos angolanos, de forma satírica, em situação de colonização: (…) Matabicho, quikuerra/ almoço, ginguba/ ó jantar, massa mu kangue…
O conceito clássico de composição que se socorre do texto escrito, perde a sua validade, sobretudo na maior parte dos compositores de origem popular, porque, nestes, o processo criativo decorre, muitas vezes, de manifestações espontâneas, ocasionais e aleatórias, muitas das quais surgidas no contexto da espontaneidade das tertúlias.
Ainda que o seu nome esteja sempre associado à história dos “Kiezos”, foi com os Jovens do Prenda que, curiosamente, Adolfo Coelho gravou: “Kilombe lombe”, e o clássico “Júlia”, tendo registado, com o conjunto África Ritmos, as canções: “Mamã”, “Maiombola” e “Sokana ngamba”.
José Faria (Gegé), guitarra ritmo da nova formação dos Kiezos, fez o seguinte depoimento sobre as canções de Adolfo Coelho: “ Entrei nos Kiezos em 1980, e ainda tive a oportunidade de conhecer o Adolfo Coelho. Considero-o um artista competente na execução da “dikanza”, e na criação das suas canções. Era frequente encontrá-lo próximo de grandes figuras da cultura luandense, e fazia recolhas, ouvindo canções antigas, interpretadas pelos mais velhos. Katapolo, John Kambambala, Adão Kenós, Mona Mama, Dr. Katrabuço, e Dr. Espanholito, foram figuras do musseque que estiveram próximas de Adolfo Coelho, ele aprendeu muito com estes mais velhos”.

Nascimento dos "Kiezos"
 
 
Tudo começou no Bairro Marçal, em Luanda, mais propriamente na zona do Kapolo Boxi, quando Domingos António Miguel da Silva, Kituxe, uma figura indissociavelmente ligada à fundação dos Kiezos, reuniu um grupo de quatro jovens entusiastas, com propensão natural para a música, e criou um grupo anónimo que animava as noites quentes do Bairro Marçal. Este grupo, que no início dos anos 60, extraía sons de instrumentos artesanais, cedo foi crescendo e começou a tomar forma.
A designação Kiezos surgiu, em 1965, no ambiente de uma festa na B3, uma rua luandense do Bairro Nelito Soares, para a qual os músicos, que iriam formar, mais tarde, os Kiezos, não tinham sido convidados. O facto é que os intrusos animaram de tal forma a festa, que fizeram levantar a poeira do quintal, consequência da frenética animação dos dançarinos, situação que provocou a associação do efeito originado pelo pó à varrida de uma vassoura. “Iezo” é uma palavra em língua kimbundu que, traduzida para a língua portuguesa, é sinónimo de vassoura.
O baptismo “Kiezos”, nome que perdura até aos nossos dias, é plural de “iezo”, ou seja, vassouras. De 1964 a 1965 situa-se a data provável da primeira formação do grupo, entendido como agrupamento musical, com alguma seriedade e solidez artística.
Os “Kiezos” apresentaram-se, no seu primeiro grande espectáculo, em 1969, no Ngola Cine e, em 1970, gravam o primeiro disco na Voz de Angola, actual Rádio Nacional de Angola. Nessa altura, entram para o grupo o percussionista e vocal Juventino Anselmo de Sousa Arcanjo, Vate Costa e Fausto Lemos, o último notabilizou-se como um dos vocalistas principais do grupo, pela interpretação e composição da canção “Mbaku Kavalé”. 
 
A nova formação 
 
A actual formação dos Kiezos integra os seguintes instrumentistas: Décimus (viola baixo), Zeca Tirilene (viola baixo), Hildebrando Cunha (viola  solo), Abana Mayor (tumbas), José Faria (viola ritmo), Neto (teclados), João ( bateria), Mister Quim e Manuelito (vozes e dikanza), Horácio Dá Mesquita (concertina e piano acústico).
Adolfo Coelho integrou os “Kiezos, de forma activa até 1991 e nos últimos anos da sua vida era frequente encontrá-lo só e nostálgico, cantando para os deuses, entre os becos do bairro Marçal e Rangel, infeliz com a vida, mas feliz com a música e as estrelas da noite. Morreu em Fevereiro de 2002, vítima de doença.

Fonte: Jornal de Angola

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