quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A dimensão musical e de plasticidade da arte no feminino de Clara Monteiro

Jomo Fortunato | - 12 de Abril, 2010

 

Clara Monteiro é uma figura inscrita, com mérito próprio, na música popular angolana

Fotografia: Rogério Tuti

Numa linha de continuidade do glorioso passado da Música Popular Angolana, no feminino, Clara Monteiro, artista plástica, intérprete e compositora, viveu, com intensa e rara musicalidade, o período musical pós-independência.


Nasceu em Luanda, no Bairro da Maianga, com um talento, intuição e propensão natural para as artes, tendências potenciadas por um ambiente familiar, equilibrado e artístico, em que as canções de embalar da mãe desempenharam um papel fundamental na formação do imaginário e da personalidade musical da cantora.


Em 1980, Clara Monteiro conhece os cantores Carlos Burity, Santocas, Filipe Mukenga, Waldemar Bastos, Tonito e Juventino, o último percussionista do célebre agrupamento “Kiezos”, figuras da música que, de forma interessada e sensível, iam acompanhando os progressos da cantora, enquanto compositora.


Convidada pelo Ministério da Cultura, ainda em 1980, Clara Monteiro integra a orquestra Inter Palanca, do Matadi Mário Bwana Kitoko, célebre cantor do “período de retorno” da música angolana, numa temporada de concertos na Nigéria, espectáculos que constituíram a sua primeira apresentação, no estrangeiro, interpretando os  sucessos “Neto poeta”, uma incursão no universo da canção política,  e “Alô Benguela”.


“Os reflexos, em Angola, das mudanças ocasionadas pela ‘Revolução dos Cravos’, em Portugal, foram, em alguns casos, dramáticos, mas constituíram factos cuja conjuntura e importância histórica, só vim a compreender muito mais tarde, porque, tinha, naquela época, apenas 12 anos ”, conta Clara Monteiro. A orquestra 1º Maio, uma formação da UNTA (União Nacional dos Trabalhadores Angolanos), integrava músicos de competência reconhecida, a maior parte dos quais provenientes do Congo Democrático, logo depois da independência de Angola, em 1975.


Formada na sequência da desintegração da orquestra Inter Palanca, de Matadi Mário Bwana Kitoko, a orquetra 1º de Maio integrava, em 1982, na sua primeira formação, os músicos Tedy Nsingui (guitarra solo), Massano Júnior (tambores e voz), Mogue (baixo), Botto Trindade (guitarra ritmo) Sassa, Domé e Conceição (trompetes), André (trombone), Franco (flauta, sax alto, tenor e barítono), Dinho Silva (bateria), Robertinho, Dina Santos, Mauro do Nascimento, Cirineu Bastos e Roque Nhanga (vozes), entrando, na segunda fase, o guitarrista, ritmo, Betinho Feijó.

Convidada pela Direcção da UNTA, com o apoio do baixista Mogue, Clara Monteiro integra então a orquestra 1º de Maio, dispensando, de forma autorizada, os serviços que prestava na então Secretaria de Estado da Cultura de Angola. É neste período que a vida musical de Clara Monteriro, começa a trilhar contornos mais sólidos, construindo uma carreira com concertos mais frequentes no interior do país e no estrangeiro, dividindo o palco com artistas de renome internacional como o camaronês Manu Dibango, o caboverdiano Paulino Vieira e os cubanos Pablo Milanês e Sara Gonzales.


Com a orquetra 1º de Maio, Clara Monteiro gravou uma das canções mais bem estruturadas, a vários níveis, da sua carreira, “Zito monami”,  da qual respigamos alguns versos: Zito monami/ ivua iosso ngolo ku zuelessa/  Zito monami/ ivua iosso ngolo ku zuelessa/  Kiosso ngolo ku zuela/ eié ngolo kivua/ Kiosso ngolo ku zuela/ eié ngolo kivua// Ngolo ku zuelessa pala ò mbote ié/ Kalakala ni kilunji/mukonda eié  uá kulo kiá/ Mamã ngondo kalé/ kabassa kizua ku mabnji ié/ Ivuidilé ò kipenda dianhi, monami... (Em “Zito monami”, a personagem principal da canção, que, na realidade, é irmão da cantora, aparece transfigurada em filho, num ambiente textual onde a mãe lhe dá conselhos, pedindo-lhe para ouvir os seus recados porque, no futuro, com a morte dela, ficará sozinho no mundo. “Zito monami” é um tema com forte pendor pedagógico). Em “Zito monami”, Tedy Nsingui, guitarra solo proveniente do Inter Palanca, está num dos mais importantes momentos da sua carreira.

Discografia
Em 1986, Clara Monteiro  deixa a orquestra 1º de Maio, decide enveredar por uma carreira a solo e grava, em 1989, o primeiro álbum de originais, “Alô Benguela”, com as canções  Esmola, Kunene, Ser ingénua, Ovava, Volta, e  regrava o clássico  Zito monami. Do disco, o tema “Alô Benguela” revelou-se um estrondoso sucesso, constituindo um dos temas paradigmáticos da cantora. Seguiram-se o álbum  “Luta e amor” (1997),  e “Walalipo Angola” (2005), o último com 12 faixas interpretadas, de forma alternada, em português, kimbundu e umbundu.


Pintora, compositora, intérprete e historiadora, Clara Monteiro é uma figura inscrita, com mérito próprio,  na história da Música Popular Angolana, um caso de clara resistência pela arte, no feminino, e personalidade preocupada em transfigurar as questões de índole social e telúrica, temas fundamentais no processo de criação da sua obra.

fonte: Jornal de Angola

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