sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Sanguito o sopro telúrico do saxofone

Jomo Fortunato | - 14 de Dezembro, 2009


A solo, Sanguito tenta dar continuidade aos sopristas dos anos setenta
Fotografia: Divulgação

Estranho às origens acústicas e percutivas da Música Popular Angolana, o saxofone e a classe dos aerofones, tiveram, fundamentalmente, a Casa dos Rapazes de Luanda, a catequese missionária, a Casa Pia e a generalidade das instituições de caridade, como principais divulgadores e incentivadores de ensino. 
A história dos aerofones regista os nomes de Toni de Almeida (trombone de vara), Fenando Nunes ( Nando Tambarino, trompete) e Nelo Duarte (saxofone alto) que, em 1964, formam “Os gansos”- uma pequena formação que interpretava música variada. 
Nelo Duarte, falecido num acidente de viação em 1975, é um dos saxofonistas angolanos mais representativos da geração dos anos sessenta, que marcou o seu timbre nos Gambuzinos- agrupamento que fundia ritmos de base angolana, com vertentes da música pop/rock. 
No entanto, a par dos Gambuzinos, surgiu, em 1973, o África Show, do emblemático José Massano Júnior, com Fernando Nunes (Nando Tambarino), e o conjunto Águias Reais, com Quental e Manuel António (saxofone alto), duas formações que introduzem, pela primeira vez, instrumentos de sopro com alguma vitalidade melódica. 
Massy (dos Jovens do Prenda), Nanutu (saxofone alto e barítono) e Manuel Bernardo Sangue (Sanguito) são os actuais resistentes, cujo contributo reconhece-se pela resoluta e meritória adaptação dos múltiplos géneros e tendências do sopro à música angolana. 

O percurso



A solo, Sanguito tenta, numa linha de reconhecido talento e pesquisa, dar continuidade à obra dos sopristas dos anos sessenta. Nascido no dia 6 de Abril de 1960, na província do Bengo, mais propriamente em Quixico, Nambuangongo, Sanguito é orfão de guerra, tendo sido encontrado, pelas tropas coloniais portuguesas, nas matas de Muxaluando, depois de um ataque às bases do MPLA, em 1961, numa acção militar que culminou com a morte dos seus pais e familiares mais próximos. 
Internado no Abrigo dos Pequeninos, em Luanda, sob cuidado de madres católicas, Sanguito foi transferido, quatro anos depois, para a Casa dos Rapazes de Luanda, onde teve o primeiro contacto com a guitarra e a requinta, um instrumento de sopro da família dos clarinetes que possui uma sonoridade mais estridente e aguda, dois traços distintivos em relação ao clarinete. 
Em 1977, Sanguito frequenta um curso de instrutor, na Academia de Música de Luanda, onde aprende a tocar saxofone (alto, tenor, soprano e barítono), incluindo trompete e piano, com o professor Fernando Nunes. 
Sanguito fez parte, em 1981, do agrupamento musical “Petro Clave”. Neste mesmo ano, muda-se para o agrupamento musical “Os merengues” e, em 1982, passa pelo agrupamento “Semba Tropical”. Com esta formação representou Angola em vários festivais de música na Europa e América, visitando alguns países africanos. Depois de uma passagem efémera pela banda Semba África, Sanguito emigra, em 1993, para Portugal com o objectivo de continuar os seus estudos no domínio da música clássica, jazz e harmonia. 
Em Portugal alinha com os Karapinha, Kussondolola, Semba Master, General D e Bonga, chegando a colaborar com músicos angolanos e estrangeiros. Nesta altura, aproveitando a oportunidade de estar mais próximo de músicos profissionais, grava o seu primeiro álbum, “Lente Vida”, em 1997, com 10 temas instrumentais.
 
“Ngueza”, o segundo álbum

No CD “Ngueza”, gravado em 2002, Sanguito acusa uma visível evolução a nível da pesquisa de ritmos de motivação carnavalesca, revisitando temas clássicos da música angolana, “Colonial” do Ngola Ritmos foi um exemplo, ritmos do Congo Democrático, da America Latina, revelando nítidas influências do caboverdiano Luís Morais e do norte-americano Grove Washington. “Ngueza” teve ainda a participação especial dos percussionistas Tolingas e Kituxe, da guitarra de Justino Delgado, do contrabaixo de Salomas, e das vozes de Beto de Almeida, Flay, Jeff Brown e Yannick. 

“Kamba diami”, o novo álbum

Em Kamba diami”, um CD integralmente instrumental, Sanguito está mais próximo das sonoridades angolanas, preferindo, a dado momento, um olhar retrospectivo ao seu passado, revisitando, em GV, o tema “Minga”, do emblemático José Massano Júnior e “Rosa Maria”, de Urbano de Castro. Gravado num longo período de intermitências involuntárias (2004 a 2009), o novo trabalho discográfico de Sanguito, alterna entre os géneros semba e kipalanga, e ostenta os arranjos do DJ Mania, Calô Pascoal, Carlitos Tchiemba e Alton ventura, nos temas “Rosa Maria”, “Rosa para Rosa”, “Cocó” (um clássico do Franco, TP OK, jazz) e “Viragem zero”, respectivamente. 
Neste seu mais recente álbum, Sanguito procurou demonstrar, com inequívoco sucesso, que é possível gravar, maioritariamente, com músicos angolanos. Ao longo do alinhamento dos onze temas do CD é possível discernir a qualidade de execução de Boto Trindade, Alex Samba, Ximbinha, Brando, Zeca Tirylene, John Fonseca e Jorge Cervantes (guitarras), Carlos Tchiemba, Mias Galheta e Benjamim (baixo), Dinho Silva, Nando e Lito Graça (bateria), Rufino Cipriano, Alton Ventura, e Calô Pascoal (teclas), Joãozinho Morgado, Dalú Roger, Chico Santos e Gato (pecussão), músicos de referência incontornável no actual panorama da música angolana.

fonte: Jornal de Angola

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